sábado, 4 de fevereiro de 2017

Para sempre mesmo, só você, porque nosso tédio é empolgante, mas o mundo, o mundo meu bem, esse não sabe burlar a rotina, não sabe se apaixonar pela mesma coisa todos os dias de forma diferente, sem deixar de maravilhar-se com novas coisas a cada instante.  


sábado, 17 de janeiro de 2015

Ela se tornara exatamente tudo aquilo que condenava numa pessoa. Mas ela descobriu que era dela o lugar um dia foi o "de lá".

sábado, 13 de dezembro de 2014

Duas mulheres, uma tolice


Ela chega ao bar e senta na cadeira que dá visão para a rua, cruza as pernas não pra atrair, mas por se distrair, entre amigos e agregados, abre um discurso e por ele vagueia - algo sobre a filosofia dos modelos cosmogônicos que desconsideram a possibilidade de um cataclismo cósmico a qual ela faz apologia quase fisiológica - usa blusas grandes e calças leguem, sem bijuterias, um lápis no olho, paga a conta no débito, mas deixa moedinhas trocadas no carro para os flanelinhas, coitados. Quando fala não sente o tom de sua voz, quando senta não se importa em como deve portar seu corpo, não conta quantos palavrões fala, qual ritmo dos copos, não percebe quem observa. Sofre de incontinência verbal, insensibilidade, falta de percepção a coisas comuns e excesso de amor próprio. Pra ela até então todos os relacionamentos tem prazo de validade. Ela não tem medo da violência urbana, de andar a noite, de morar só. Medo mesmo só de gostar de caras bonitos ou visados - porque no geral são babacas, afoitos pelo poder que não possuem. Prefere os feinhos não quistos e razoavelmente inteligentes. Parece nutrir um sabor pelo diferente, mas é só medo do comum. Transa pouco, usa muito. Consegue ser linda fora do padrão de beleza. Soa machona, já fumou maconha, mas prefere a realidade, tem um pênis simbólico que nada mais é que um clitóris nunca bem manuseado e nunca se ofende com as classificações “é mais macho que muito homem”, ela sabe que é.

Do outro lado do bar, outra mulher, cabelos jogados, mãos ao queixo, roupas atraentes, muita maquiagem. Olhos em todos os lugares, fala pouco, vê tudo, analisa o movimento dos corpos e dos copos, é perceptiva, receptiva, estética, tem um charme de longo alcance, sorriso fácil. Diferente da primeira, não está só sentada numa mesa, está vagando pelo ambiente, disponível a sorrisos e olhares e por isso vulnerável à covardes. Diferente da primeira faz sucesso com paixões imediatas, conquista fácil, se apega mais facilmente ainda, e é descartada na mesma proporção. Mora com os pais, estuda o que não gosta, tem uns três empregos, rala muito e ganha pouco.  Quer se entregar por uma noite a alguém que queira se entregar a ela por toda a vida. 

A outra, já está entregue a si e a ninguém. 
Esta, é do que der mais que ela própria dá a si.

A tolice de ambas? Uma é tosca por se pertencer demais e não perceber outras formas de ser sua, e a outra por nunca ter se amado o suficiente e viver em busca de alguém que o faça por ela. 

Amor ambivalente

Ele sol, eu tempestade
Ele a expressão, eu inspiração.
Eu prepotência, ele inocência.
Eu querendo o mundo, ele só a mim.
Eu amaria, ele embora iria.
Eu vento, ele calor.
Eu sólida, ele vapor
Eu temores, ele flores.
Eu em dores, ele amores.
Ele alma jovem, eu envelhecida.
Ele paciência, eu sem paz pedindo ciência.
Eu ideias, ele palavras.
Ele contos, eu versos.
Ele ouvido, eu alarido.
Ele juventude, eu beatitude.
Ele títulos, eu livros.
Ele o passado, eu o tempo.
Ele marcado pelo tempo, eu o tempo marcando.
Eu pressa, ele calmaria.
Eu, ele, não há.
Nós, aqui está.
Um amor, dois lados.
Dois polos, em um solo.
Opostos, dispostos.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Vaga mente



Por: Lia Clarice – o heterônimo da eterna procura

À deriva da imaginação
Lanço-me ao vazio do mundo
Perco-me no todo de tudo para achar partes do nada que sou
Entrego-me àquela embarcação enferrujada da razão que passa ao horizonte
Vai lenta e leve para lugar nenhum
Levando almas vagantes desistentes do mundo e logo crentes de si.
Parece que vai levar-me para longe dessa morada medíocre que me tornei.
E essa promessa por hoje basta.
Quero me livrar de mim
- A viagem é sem retorno
- Carimbe o passaporte da alma, preço aceito.
Jogo-me nesse mar bravio de pensamentos pseudocalmos
Parecem quietos - mas são só mais escapismos e mentiras salgadas como o resto do mar
Sentir-me profundo ao fundo de um mundo que perdeu seu sentido?
Onde estava meu próprio sentido?
Mas já estou no navio, agora aceito a condição de navegante.
Uma vez entregue aos devaneios do pensar nunca mais dele se libertará
- Ó pobre alma vagante deverias saber do vão que é navegar em pensar, nenhum homem que se propõe volta ao mesmo lugar.
Mas ainda há um lugar diferente para ir – dentro de mim
A liturgia do pensar agora parece sugerir: voe para si
A Viagem que ninguém quer aceitar
Monstros diversos, faces do eu, partes de mim.
Partes do todo, perdidos num particular tão mesquinho.
E o risco de perder-se no sótão escuro de si próprio,
Lá mantenho acorrentadas verdades inaceitáveis de mim
Confronto meu próprio vazio
Espere, há algo aqui.
Pássaros compõem
Nuvens caçoam
A beleza agora vem de dentro.
Mas ela é parte do que há fora.
Sou a ordem do caos
A medida de todas as coisas - não, não eu, Alguém o É
Acredito por um instante repentino e repetido como uma canção curta que ressoa e repete eternamente, incansável.
Acredito pela força do próprio absurdo que o absurdo absoluto encarnou-se em paradoxos não contraditórios trazendo a realidade irrefutável da existência que adoece existindo como alma vagante pelas sombras da noite desvanecente.
Nada tem sentido fora,
Entrar no navio não é uma viagem se a embarcação não sair do porto que habita dentro de mim.
Vaga mente, vá, voe, e volte, lentamente, assumindo a canção do eterno retorno para dentro do todo que não te chamou para um navio, mas te quer fazer conhecer o mar.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Aonde você está indo?




A vontade de chegar dominava os octilhões de átomos do meu corpo, havia pressa no meu olhar, resumos nas minhas palavras, quilômetros nos meus pés. Já eram muitos pores do sol sem ver, muitos caminhos para casa sem considerar a lua, muitas músicas dançantes sem mover nem os tímpanos. Então, explodi, meus pés resistiram em continuar caminhando. Ouvindo meus estímulos ao som de Yellow submarine e afins, comecei a procurar o que me encantava no mundo – sim, um jingle beatlemaníaco à estilo festa infantil é uma dessas coisas.
Aonde eu estava indo mesmo?
Para onde a vida moderna nos leva, leves ao léu e como fracos fluidos, feridos, ao fim, antes do começo, caímos, caquéticos de nossas cadeiras.
Essa telúrica falta de viver reside no fato de não nos alegramos mais com o que chega a nós. Não contemplamos a existência como é. Não nos maravilhamos com as belezas comuns do cotidiano. Estamos sempre em busca de algo, uma entidade metafísica materializada em algum lugar do futuro. Uma carreira, uma família, uma empresa, um amor, algo bem distante do presente. Bem aquém do aqui. O hoje não nos interessa se não estiver nos levando a algum lugar do amanhã.
Estamos correndo desesperados atrás do pote de ouro do fim do arco Íris deixando de contemplar a beleza das cores que estão nele - e é porque nem há ouro por lá.
Nossa casa não tem plantas, animais de estimação, cores, só papeis, engenhocas e pilhas de projetos tediosos. Perdemos o senso pueril de maravilhamento e por tal a originalidade, a áurea da vida.
Nessa terra de gigantes ‘que trocam vidas por diamantes’, queremos ser os maiores, por isso corremos, preferimos ter a vista tediosa e minúscula do gigante que está acima de tudo, a ter a vista do anão, que pode olhar para cima, ver as gigantescas verdades do existir, e maravilhar-se. Preferimos ver o mundo pequeno e ser grande a ser pequeno e ter a imensidão como paisagem.
 Mas uma luz ainda brilha em nós, ainda podemos escolher um estilo de vida que reclame novidade, que colecione folhas de árvores e não folhas de papéis. Que ande pelas ruas sentindo o aroma das flores, se preciso ande de costas só para ver o arco Íris montando, ou aumentando o caminho para casa só pra ver o sol se despedindo de nosso céu.
 Se bem observarmos, não há nada de tão interessante no futuro, a terra média está em nós, Saruman não reina nela, Nárnia reside aqui, a feiticeira foi embora, basta deixarmos fluir nosso senso de contemplação, nossa criança interior que reside entediada dentro de nós.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

As razões da fé.


Quem diz ser irracional embasar sua moral e padrões de vida no que o velho livro da capa preta empoeirado pelo iluminismo diz, geralmente tem padrões embasados em lugar nenhum além do seu próprio achismo. O homem moderno, faz caminho de bêbado pela vida e ainda culpa a Quem tenta se manifestar a ele: "Cristianismo é conversa pra boi dormir!" Tenta fazer com o cristianismo o que o adolescente rebelde faz com seu pai, tapa os ouvidos, grita 'laralarala', menospreza, chama de careta, de boi da cara preta.

Haverá sempre a necessidade de ter fé, a verdade desconhecida é infinita. 

O cético autêntico ou o supraracional, aquele que usa a razão pela razão e duvida de realmente tudo, não é o cara burguês ou o marxista incoerente da universidade, até para estar ali é necessário um pouco de fé. O racional autêntico é o que grita 'eu sou o Rei da Inglaterra' pelos corredores dos manicômios, só ele consegue confiar totalmente no que sua mente diz.

Mas como falamos de seres normais, a estes, sempre existirá a imponente necessidade de acreditar naquilo que em algum momento não é evidente. O cristianismo revela a coerência de que esta fé sempre necessária, tem necessidade de ser atribuída a Alguém e não às nossas deficientes definições da vida.

A fala da presunção racionalista é que podemos salvar a nós próprios pela razão, mas é ela que não nos permite salvar-nos nem de nós mesmos. Racional é quem reconhece que sua finitude incoerente desagua na coerência infinita de uma Força que transcende qualquer explicação. Que reconhece que não precisa explicar tudo, apenas saber Quem É O que sabe explicar.

Não há nada mais racional que Crer, não há razão sem fé, tudo que há são razões para se crer. Crer que uma Causa primeira criou não só nossos corpos presos à lei da gravidade como nossa mente presa a essa necessidade de atribuir verdade ao que não é evidente. 

Esta Causa primeira fez isso exatamente para comunicar toda a racionalidade de nossa existência. Tanto a fé como a razão existem para o mesmo Criador se comunicar.