sábado, 13 de dezembro de 2014

Duas mulheres, uma tolice


Ela chega ao bar e senta na cadeira que dá visão para a rua, cruza as pernas não pra atrair, mas por se distrair, entre amigos e agregados, abre um discurso e por ele vagueia - algo sobre a filosofia dos modelos cosmogônicos que desconsideram a possibilidade de um cataclismo cósmico a qual ela faz apologia quase fisiológica - usa blusas grandes e calças leguem, sem bijuterias, um lápis no olho, paga a conta no débito, mas deixa moedinhas trocadas no carro para os flanelinhas, coitados. Quando fala não sente o tom de sua voz, quando senta não se importa em como deve portar seu corpo, não conta quantos palavrões fala, qual ritmo dos copos, não percebe quem observa. Sofre de incontinência verbal, insensibilidade, falta de percepção a coisas comuns e excesso de amor próprio. Pra ela até então todos os relacionamentos tem prazo de validade. Ela não tem medo da violência urbana, de andar a noite, de morar só. Medo mesmo só de gostar de caras bonitos ou visados - porque no geral são babacas, afoitos pelo poder que não possuem. Prefere os feinhos não quistos e razoavelmente inteligentes. Parece nutrir um sabor pelo diferente, mas é só medo do comum. Transa pouco, usa muito. Consegue ser linda fora do padrão de beleza. Soa machona, já fumou maconha, mas prefere a realidade, tem um pênis simbólico que nada mais é que um clitóris nunca bem manuseado e nunca se ofende com as classificações “é mais macho que muito homem”, ela sabe que é.

Do outro lado do bar, outra mulher, cabelos jogados, mãos ao queixo, roupas atraentes, muita maquiagem. Olhos em todos os lugares, fala pouco, vê tudo, analisa o movimento dos corpos e dos copos, é perceptiva, receptiva, estética, tem um charme de longo alcance, sorriso fácil. Diferente da primeira, não está só sentada numa mesa, está vagando pelo ambiente, disponível a sorrisos e olhares e por isso vulnerável à covardes. Diferente da primeira faz sucesso com paixões imediatas, conquista fácil, se apega mais facilmente ainda, e é descartada na mesma proporção. Mora com os pais, estuda o que não gosta, tem uns três empregos, rala muito e ganha pouco.  Quer se entregar por uma noite a alguém que queira se entregar a ela por toda a vida. 

A outra, já está entregue a si e a ninguém. 
Esta, é do que der mais que ela própria dá a si.

A tolice de ambas? Uma é tosca por se pertencer demais e não perceber outras formas de ser sua, e a outra por nunca ter se amado o suficiente e viver em busca de alguém que o faça por ela. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário