Ela chega ao bar e senta na
cadeira que dá visão para a rua, cruza as pernas não pra atrair, mas por se
distrair, entre amigos e agregados, abre um discurso e por ele vagueia - algo sobre a filosofia dos modelos cosmogônicos que desconsideram a possibilidade de um cataclismo cósmico a qual ela faz apologia quase fisiológica - usa blusas grandes e calças leguem,
sem bijuterias, um lápis no olho, paga a conta no débito, mas deixa moedinhas trocadas no carro para os flanelinhas, coitados. Quando fala não sente o
tom de sua voz, quando senta não se importa em como deve portar seu corpo, não conta
quantos palavrões fala, qual ritmo dos copos, não percebe quem observa.
Sofre de incontinência verbal, insensibilidade, falta de percepção a coisas
comuns e excesso de amor próprio. Pra ela até então todos os relacionamentos
tem prazo de validade. Ela não tem medo da violência urbana, de andar a noite,
de morar só. Medo mesmo só de gostar de caras bonitos ou visados - porque no
geral são babacas, afoitos pelo poder que não possuem. Prefere os feinhos não quistos e razoavelmente inteligentes.
Parece nutrir um sabor pelo diferente, mas é só medo do comum. Transa pouco,
usa muito. Consegue ser linda fora do padrão de beleza. Soa machona, já fumou
maconha, mas prefere a realidade, tem um pênis simbólico que nada mais é que um
clitóris nunca bem manuseado e nunca se ofende com as classificações “é mais
macho que muito homem”, ela sabe que é.
Do outro lado do bar, outra
mulher, cabelos jogados, mãos ao queixo, roupas atraentes, muita maquiagem. Olhos
em todos os lugares, fala pouco, vê tudo, analisa o movimento dos corpos e dos
copos, é perceptiva, receptiva, estética, tem um charme de longo alcance,
sorriso fácil. Diferente da primeira, não está só sentada numa mesa, está
vagando pelo ambiente, disponível a sorrisos e olhares e por isso vulnerável à covardes. Diferente da primeira faz sucesso com paixões imediatas,
conquista fácil, se apega mais facilmente ainda, e é descartada na mesma
proporção. Mora com os pais, estuda o que não gosta, tem uns três empregos,
rala muito e ganha pouco. Quer se
entregar por uma noite a alguém que queira se entregar a ela por toda a vida.
A
outra, já está entregue a si e a ninguém.
Esta, é do que der mais que ela própria dá a si.
Esta, é do que der mais que ela própria dá a si.
A tolice de ambas? Uma é tosca
por se pertencer demais e não perceber outras formas de ser sua, e a outra por
nunca ter se amado o suficiente e viver em busca de alguém que o faça por ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário